Felipe Ricetti Marques
Advogado. Sócio do Pollet Advogados Associados. Pós-Graduado em Direito Administrativo pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP. Extensão Universitária na Université Sorbonne Nouvelle – Paris – França.
Renata Elaine Silva Ricetti Marques
Pós-Doutoranda em Direito Tributário pela USP. Doutora e Mestre em Direito Tributário pela PUC/SP. Especialista pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (IBET). Coordenadora e Professora do Curso de Pós-Graduação lato sensu em direito Tributário da Escola Paulista de Direito (EPD). Coordenadora e Professora do curso de Pós-Graduação em Direito Tributário Empresarial do Grupo ATAME de Cuiabá. Professora convidada dos Cursos de Pós-Graduação do IBET e da PUC/COGEAE. Presidente do Instituto Acadêmico de Direito Tributário e Empresarial – IADTE. Membro da Comissão de Direito Constitucional e Tributário da Ordem dos Advogados do Brasil – Subseção de Pinheiros e Advogada.
O presente artigo discorrerá sobre o direito à percepção dos honorários de sucumbências nas hipóteses em que a execução fiscal é extinta com o acolhimento de Exceção de Pré-executividade (ou de petição simples que requer reconhecimento de questão de ordem pública) pelo contribuinte executado, com a anuência da Fazenda Nacional, ou seja, na hipótese de não haver demanda resistida.
Este assunto vem gerando divergência no âmbito acadêmico e judicial. Isto porque a ausência de condenação da parte vencida em honorários de sucumbência, diante de uma demanda considerada “não resistida”, não condiz com a legislação vigente conforme passaremos a demostrar.
Não vamos defender a condenação dos honorários no pedido de extinção da Ação de Execução Fiscal realizado pela Fazenda Pública exequente sem a participação do executado, ou, ainda, nas situações em que o próprio Juiz, de ofício, profere despacho para que a exequente se manifeste sobre a extinção do feito. Em síntese apertada, vamos refletir sobre a situação em que o pedido de extinção é realizado pelo executado, mediante advogado constituído nos autos, em Ação de Execução Fiscal.
Isto porque os honorários de sucumbência têm um caráter de reparação, constituindo-se em direito atribuído ao Advogado pela prestação de serviço que, após exercer sua função, obtém êxito na lide. Negar o direito ao recebimento dos honorários de sucumbência demostra-se um paradoxo com o princípio da Justiça, primado este que é um dos sobreprincípios mais importantes do Direito, pois dele deriva a convicção de que todo e qualquer conflito terá uma solução, porém, sem a presença do Advogado, esse princípio não se realiza.
Por esse motivo que o eloquente axioma que afirma que “O advogado é indispensável à administração da justiça” é consagrado por vários dispositivos legais, tendo sua força máxima fixada no Texto Constitucional artigo 133 e sua propagação ampliada pelo caput do artigo 2º do Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil - Lei nº. 8.906 de 04 de julho de 1994 – e, também, pela Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015, Código de Processo Civil, artigo 3º, 85, 98, 103 e 107.
Desse modo, o cumprimento do Princípio da Justiça depende da presença de um Advogado e do exercício do seu labor. Os parágrafos do art. 2º da Estatuto da OAB reforçam que o Advogado, no seu ministério privado, presta serviço público e exerce função social contribuindo na postulação de decisão favorável ao seu constituinte e ao convencimento do julgador, não por outra razão que seus atos constituem múnus público, o que é corroborado pela garantia da inviolabilidade dos seus atos e manifestações, quando realizados no exercício da profissão.
Assim, se a presença do Advogado é de extrema relevância para a resolução de conflitos e a efetivação do Princípio da Justiça, a sua remuneração deve ser tratada com o mesmo mérito. Em outras palavras, se o advogado é indispensável ao cumprimento do primado da Justiça a sua remuneração deve merecer a mesma carga de prestígio.
Veja que apesar de a relação estabelecida entre Advogado e cliente, quanto ao pagamento dos honorários, ser de natureza privada, o fruto do seu trabalho tem a função pública.
Ademais os honorários sucumbenciais juntamente com os honorários contratuais são créditos privilegiados (art. 24 da Estatuto da OAB) e possuem a natureza alimentar pois constituem remuneração do fruto do trabalho desenvolvido no processo judicial, o que é corroborado pela Súmula Vinculante n.º 47 do STF “Os honorários advocatícios incluídos na condenação ou destacados do montante principal devido ao credor consubstanciam verba de natureza alimentar [...]”.
No mesmo sentido Cássio Scarpinella Bueno leciona que os honorários sucumbenciais pertencem ao advogado e integram sua remuneração devido a sua natureza alimentar, vemos:
A sobrevivência é um dos direitos fundamentais da pessoa humana e para isso ela precisa de condições materiais básicas para prover o seu próprio sustento. O meio adequado e normal de alcançar esse objetivo é o trabalho.
Dentro desse contexto, por serem os honorários a forma, por excelência, de remuneração pelo trabalho desenvolvido pelo advogado, um trabalho humano que merece a tutela do ordenamento jurídico, correta sua qualificação como verba de natureza alimentar, eis que também vitais ao desenvolvimento e à manutenção (necessarium vitae) do profissional, do qual o advogado provê o seu sustento. (BUENO, 2019)
[...] .
O mesmo posicionamento pode ser observado no Superior Tribunal de Justiça, mesmo antes da vigência do Código de Processo Civil de 2015, consoante RESP 1.032.247/SC.
PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. CRÉDITOS DE NATUREZA ALIMENTAR. IMPENHORABILIDADE. 1. Os honorários advocatícios, tanto os contratuais quanto os sucumbenciais, têm natureza alimentar. Precedentes do STJ e de ambas as turmas do STF. Por isso mesmo, são bens insuscetíveis de medidas constritivas (penhora ou indisponibilidade) de sujeição patrimonial por dívidas do seu titular. A dúvida a respeito acabou dirimida com a nova redação art. 649, IV, do CPC (dada pela Lei n.º 11.382/2006), que considera impenhoráveis, entre outros bens, ‘os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal’. 2.Recurso especial a que se nega provimento. (RE nº 1032747/SC- Rel. Min Teori Zavascki - Primeira Turma DJe. 18.03.2008)
E o novel códex, arrematando, ainda, em seu o parágrafo 14º do art. 85, que “os honorários constituem direito do advogado e têm natureza alimentar, com os mesmos privilégios dos créditos oriundos da legislação do trabalho, sendo vedada a compensação em caso de sucumbência parcial”, não deixando a menor dúvida do valor insculpido no Código de Processo Civil que busca fundamento de validade no Texto Constitucional de que os honorários de sucumbência são parte integrante do exercício da Justiça.
Com base nas premissas desenvolvidas alhures que afirmamos que há o direito à percepção dos honorários sucumbenciais nas Ações de Execuções Fiscais em que, por mérito do trabalho realizado pelo Advogado defensor do executado, reconheceu-se a extinção do processo. Argumento representado pela letra do disposto no parágrafo 1º do art. 85, do Código de Processo Civil, que assim preceitua:
Art. 85. A sentença condenará o vencido a pagar honorários ao advogado do vencedor.
§ 1º São devidos honorários advocatícios na reconvenção, no cumprimento de sentença, provisório ou definitivo, na execução, resistida ou não, e nos recursos interpostos, cumulativamente. (grifamos)
Da leitura do supracitado artigo o que se vê é que caberá ao Juiz, por meio da sentença condenatória, atribuir ao sucumbente o pagamento dos honorários mesmo diante de uma execução não resistida.
Esse dispositivo dá margem à calorosa reflexão frente às recentes decisões que vêm sendo proferidas em execuções fiscais onde a Fazenda Pública, sem oferecer resistência, concorda com o pedido do executado de extinção do processo.
Apenas para acompanhamento do raciocínio que desenvolvemos, faz-se oportuno diferençar o que seria uma pretensão resistida e pretensão não resistida. A pretensão resistida é aquela em que a parte contrária não concorda com sua aspiração, oferecendo resistência e contra-argumentos, com a intenção de consecução da demanda. Por sua vez, a pretensão não resistida induz o raciocínio de que houve concordância com a aspiração contrária, sem objeções ou contra-argumentos.
Assim, na Ação de Execução Fiscal quem propõe a demanda é a Fazenda Pública (exequente) contra ao contribuinte ou responsável (executada), porém se a executada realiza um pedido de extinção do feito e a exequente concorda, sem resistência, cumpre o tipo estabelecido pelo parágrafo 1º do artigo 85 do CPC.
A Lei Especial que trata do processo de execução fiscal (Lei nº 6.830/80), além de não isentar a exequente a arcar com honorários nas hipóteses de concordância com a extinção do feito, define que são aplicáveis à hipótese dos autos, subsidiariamente, o Código de Processo Civil.
Nesta norma especial não há qualquer disposição que isente a exequente de custear os honorários de sucumbência, na hipótese de concordância com a extinção da execução fiscal requerida pela executada.
A ideia que partilhamos é no sentido de ser justo, legal e constitucional a fixação de honorários sucumbenciais, mesmo na hipótese de anuência pela exequente, Fazenda Pública, na extinção do processo executivo.
Isto porque partimos da análise de que o Direito não deve ser interpretado em tiras, o intérprete deve considerar em seu esforço exegético o sistema jurídico como um todo, pois, somente assim procedendo poderá extrair da norma positivada a sua melhor significação, como assevera Eros Roberto Grau:
A interpretação do direito é interpretação do direito, no seu todo, não de textos isolados, desprendidos do direito. Não se interpreta o direito em tiras, aos pedaços. A interpretação de qualquer texto de direito impõe ao intérprete, sempre, em qualquer circunstância, caminhar pelo percurso que se projeta a partir dele – o texto – até a Constituição. Um texto de direito isolado, destacado, desprendido do sistema jurídico, não expressa significado normativo algum . (GRAU, 2009, p.44)
O magistrado no enfretamento da questão, no seu papel de aplicador da lei, diante do conflito que lhe é apresentado nos autos da Ação de Execução Fiscal, deve aplicar o Código de Processo Civil, a teor do que disciplina o § 1º do artigo 85, subsidiariamente, o qual estabelece como devidos honorários nas execuções, resistidas ou não, que incidirão sobre o proveito útil obtido, os quais deverão ser custeados pela parte vencida.
E continua corroborando a legislação processual, em defesa da função e do ofício praticados pelo defensor em seu art. 90 estabelecendo que “Proferida sentença com fundamento em desistência, em renúncia ou em reconhecimento do pedido, as despesas e os honorários serão pagos pela parte que desistiu, renunciou ou reconheceu”.
Contudo, em que pese as circunstâncias supracitadas, vem sendo praxe que a Fazenda Pública, desconsiderando todo o sistema normativo que garante o direito à percepção dos frutos de seu trabalho, peça a aplicação da disposição contida no § 1º do artigo 19 da Lei 10.522/02 (na redação dada pela Lei 12.844/2013), com o fito de se eximir do pagamento dos honorários. Leia-se: in verbis:
Art. 19. Fica a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional dispensada de contestar, de oferecer contrarrazões e de interpor recursos, e fica autorizada a desistir de recursos já interpostos, desde que inexista outro fundamento relevante, na hipótese em que a ação ou a decisão judicial ou administrativa versar sobre:
§ 1º Nas matérias de que trata este artigo, o Procurador da Fazenda Nacional que atuar no feito deverá, expressamente: (Redação dada pela Lei nº 12.844, de 2013)
I - reconhecer a procedência do pedido, quando citado para apresentar resposta, inclusive em embargos à execução fiscal e exceções de pré-executividade, hipóteses em que não haverá condenação em honorários; ou (Incluído pela Lei nº 12.844, de 2013)
Entendemos que este dispositivo é fragrantemente ilegal, uma vez que amiúda todos os dispositivos acima ventilados. Vale destacar, inclusive, que o STJ já sedimentou entendimento de que diante desta antinomia, resolve-se com a aplicação subsidiária do Código de Processo Civil, como ordena o próprio art. 1º da Lei 6.830/80, pois é norma mais benéfica superveniente (vigente na data da sentença) e que preserva a coerência do sistema normativo (REsp 1184765/PA).
Isto porque a sucumbência se rege pela Lei vigente na data da sentença (REsp 1636124), de modo que toda e qualquer decisão publicada ou proferida após 18 de março de 2016 (início de sua vigência), que extingue execução por força do acolhimento de pedido do executado e que conta com a anuência da Fazenda, deve obedecer as regras da Lei 13.105/15 (Código de Processo Civil), ficando derrogada todas àquelas que a contrariem, ex vi do inciso I do § 1º do art. 19 da Lei 10.522/02, na redação dada pela Lei 12.844/13.
Portanto, não se pode afastar a condenação sucumbencial com base no inciso I do § 1º do art. 19 da Lei 10.522/02, na redação dada pela Lei 12.844/13, pois, na hipótese de a executada constituir advogado para defendê-la nos autos, é irrelevante a resistência pela exequente para a aplicação do princípio da causalidade, que dispõe que aquele que tiver dado causa ao ajuizamento da ação (petição ou Exceção de Pré-executividade) responderá pelas despesas dela decorrente e, consequentemente, pelo pagamento dos honorários advocatícios, como se observa no REsp., nº. 1.185.036/PE (Tema Repetitivo nº 421).
Assim concluímos que mostra-se pertinente a condenação da Fazenda Nacional ao pagamento dos honorários sucumbenciais, mesmo na hipótese de não resistência e concordância com a extinção do feito.
Referências
BUENO, Cassio Scarpinella. “A natureza alimentar dos honorários advocatícios sucumbenciais”. Disponível em:
GRAU, Eros Roberto. Ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do direito. 5. ed., São Paulo: Malheiros Editores, 2009.